pelo escritor Mario Augusto Pool
ANÔNIMO
A coisa mais estranha em receber aquelas cartas não era pelo seu conteúdo. O anonimato aguçava minha curiosidade e meu libido. Elas não continham nem um mísero codinome, nem um apelido, muito menos identificação. Falavam de amor, de como a pessoa gostava de mim e o quanto queria muito estar comigo. Falavam de paixão, de admiração e até de desejos mais profundos como sexo. Eu sentia, lendo aqueles papéis, que havia uma vontade enorme daquela pessoa viver uma relação séria comigo. Estava morando longe de casa, estudando fora, nada poderia ser melhor do que esta sensação, talvez uma oportunidade.
Mas qual a chance de tudo isso acontecer? Eram cartas anônimas, digitadas e impressas em papel, com envelope e selos do correio e sem remetente. Nunca havia recebido ou escrito cartas. Raramente eu escrevia alguns e-mails. No mais, era tudo no Whats e no Face. Quem escreveria cartas hoje em dia? Foram três cartas. Em cada uma delas, frases e versos sobre amor e paixão. Era tudo que um cara como eu desejaria. Intenso e forte. Namorar alguém antes de ir pra faculdade é um belo currículo.
De uma coisa, eu tinha a certeza: minha fã estava por perto. Nas cartas, as revelações de detalhes sobre a minha vida particular me surpreendiam a cada momento. Coisas que só quem convive é que poderia detalhar. A curiosidade era grande. Minha excitação, cada vez maior, dizia para que eu fosse investigar a fundo. Óbvio que não conseguiria fazer isso sozinho. Nesse caso, eu só podia confiar em um único brother, meu amigo de confiança no internato.
- E aí, Fabricio. Indo pra natação?
- Oi, Márcio, estou indo sim. Vamos juntos? Tenho que te mostrar algo. Olha só, recebi mais uma.
- Outra carta?! Bah, meu, essa história tá ficando boa. Essa mina tá embrazando, hein. Tá muito afim de ti.
- Sim, tá afim. Mas não dá as caras! Que merda. Pra que fazer esse mistério? Ela tá me matando de curiosidade. E, pior, tô começando a gostar disto. Chego a sonhar com ela. Fico imaginando se é bonita, gostosa, inteligente, essas coisas.
- E se for feia, meu? Você vai querer agarrar assim mesmo? Vai virar São Jorge com o dragão?
- Sei lá, mano. Para de deboche. Não tô muito por essas de beleza, mas tô curtindo saber que alguém tá gostando de mim.
- Acho que ela não vai aparecer. Tá com vergonha e sem coragem. Você vai ter que ficar só na imaginação, pode crê.
- Vou descobrir, meu. E você vai me ajudar. Tô até pensando num jeito.
- Sério, vai brincar de detetive? Carta é um bagulho antigo, mano. É digitado, e entregue pelo correio ainda, não tem como descobrir.
- Mas tô pensando em investigar outras coisas pra saber quem é a mina. Se ela tá sem coragem de chegar em mim, tenho que facilitar a vida dela. Acho que você pode me ajudar.
- Tô dentro, meu brother. Vai ser divertido, mas como vamos fazer isso?
- As cartas têm muitos detalhes sobre mim. Quem tá escrevendo só pode ser uma mina que anda por perto. Deve ser alguém da nossa sala de aula. Se a gente cuidar os detalhes, dá pra fazer com que ela mesmo se entregue.
- Esperto, meu! Por onde começamos?
- Ela fala de coisas muito íntimas. Olha aqui na primeira carta: “fico admirando aquela pinta negra em suas costas...”. Quem é que sabe da minha pinta nas costas?
- Porra, Fabrício. Todo mundo e a torcida do Flamengo! Quantas vezes você já jogou sem camisa? Isso não é pista, não leva a nada. É muito óbvio falar da sua pinta.
- Mas tem outra, olha! “Ontem admirava o seu pé. Ele é bonito, assim como todo o seu corpo. Quero que, um dia, minhas mãos possam acariciá-los”. Que doideira, meu! Eu nunca usei chinelos na aula, nem acho meu pé bonito. Só uso chinelos pra vir aqui na natação com você. Por isso que só uso tênis.
- Nada a ver isso, cara.
- E tem mais, escuta só! “Ontem você estava comendo aquela maçã. Estava lindo, como sempre. Imaginei seus lábios e os meus juntos, se tocando...” Cara! Nem eu me lembro quando comi uma maçã. Sei lá, no almoço da cantina? Só pode! Na janta, não tem mulher aqui dentro. Meu, só pode ser uma das nossas amigas. Ela tá perto demais! Não teria como ver, de longe, os meus lábios na maçã.
- Quantas minas têm na nossa sala?
- Umas doze.
- Bom, deve ser uma delas. Já reduzimos o nosso grupo de suspeitas.
- Não, Márcio. É aí você se engana. Nem precisamos investigar todas. É alguém da nossa turma, de perto, das mais chegadas. As que andam sempre com a gente.
- Cara, se for isso só sobrou a Maria, a Geovana e a Marcela.
- Matou, meu! Só pode ser uma delas. Vamos cercar e apertar um pouco. Alguém vai se entregar.
- E como a gente faz isso?
- Combinamos de estudar com uma delas. Durante o estudo, vamos falando coisas a meu respeito. A gente faz isso com todas, uma por vez. Pode ter certeza que aquela que escreveu as cartas, em algum momento, vai se perder e deixar vazar alguma coisa, nem que seja na próxima carta. Pronto! Falta pouco pra gente saber qual delas me ama.
- É, parece bom. Mas vai levar algum tempo pra descobrir.
- Não importa. Como te falei, tô gostando disso. Essa parada tá me excitando!
- Tu é foda, meu! Muito esperto, tá louco.
- Pelo menos, eu tento.
- E aí, vai nadar hoje?
- Sim. Já tô pronto. Bermuda, mochila e chinelo novo.
- Cara, teu chinelo é muito massa.
- Gostou? Presente da minha coroa.
- Muito! Imagina a mina da carta vendo o teu pé agora... ia enlouquecer.
- Ai, Fabrício. Só tu e ela pra notar isso.