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pelo escritor Mario Augusto Pool

O SÚCUBO

A pior coisa de estar sozinho é se sentir sozinho. Havia muito tempo isso não acontecia com Charles, visto que seus amigos sempre tiveram o hábito de andar em bandos e fazer suas festas e programas sempre juntos. Por algum motivo que ele não sabia explicar, havia uma certa angústia, uma falta de orgulho próprio, uma autoestima em baixa e as farras com a turma começavam a perder o sentido. Poderia ser da idade? Óbvio que não, mas de uma vida sem motivações, sem projetos, sem um amor, de grana curta, de família pobre e ocupada com o trabalho e outras coisas que faziam falta para ele - e que um adolescente com certeza daria valor naquele momento da sua vida. Por menos presentes que seus pais fossem, havia, ainda assim, um sentimento de cuidado com o futuro dele, com a sua escola e com o emprego que conseguira na manutenção do cemitério local. Entre ambos havia um acordo de jamais faltar a esses compromissos, visto que eram a parte séria da sua vida, a única perspectiva de um futuro melhor e de poder ter algum dinheiro para gastar nas farras e nos tênis de marca.

Mas havia algo que para o garoto era um privilégio, e que fora uma conquista sua, vinda do seu próprio esforço. Esse privilégio era o de poder ser amigo de Estênio, dono do único bar com happy hour daquele bairro. Por um bom tempo o jovem havia ajudado Estênio a organizar o estabelecimento, lavar louças, receber bebidas, pagar contas, limpar de vez em quando a cozinha e até atender o balcão quando a clientela era farta no final da tarde. Agora que Charles tinha um emprego formal no cemitério, passar pelo happy hour depois do expediente e poder beber clandestinamente - por conta da casa - trazia a ele uma satisfação que outros programas com os amigos seriam incapazes de dar tanto prazer ao garoto.

— E aí, Charles, como foi hoje? Carinha de cansado.

— Bah, Estênio, puxado, sim. Limpando jazigos. Mas tô de boa. E você? Está bem? Grande o movimento, hein?

— Mãos aos céus, meu amigo! - louvou Estênio. - Parece que o negócio deslanchou, e te devo muito. - afirmou o dono do bar, dando um tapinha no ombro do menino. - Toma, este chopp é por conta da casa.

— Bah! Daora. Valeu Estênio.

Naquela relação de gratidão a vida sem tempero ia se repetindo: a escola, o trabalho no cemitério e o chopp com o Estênio - a melhor parte do dia.

Foi em um desses momentos, quando chegava ao bar, que percebeu a presença de uma nova cliente. Pelo menos nunca antes havia visto por ali. Ao lado da porta estava uma senhora idosa e de aparência que inspirava poucos cuidados. A velha estava em pé e olhava com interesse para cada homem que entrava no local. Cabelos brancos e compridos, soltos e sem nenhum trato, a pele envelhecida, o rosto sem maquiagem, se é que isso faria alguma diferença, vestindo uma blusa de tons cinza e carregando uma velha bolsa preta, de alça, enfiada no ombro, segurando-a embaixo do braço. Antes mesmo de chegar na entrada a mulher começou a encarar Charles, como fizera com os outros clientes, tinha um par de olhos escuros, e que no instante em que o viu não desgrudaram por um segundo do garoto, seguindo-o até que ele entrasse e fechasse a porta por detrás dela. Se não fosse pela idade da senhora e do garoto, poderia-se pensar que aquela abordagem era fruto de um interesse amoroso ou sexual - melhor dizendo, alguém em busca de um cliente.

Tudo seria normal se a mulher poucos minutos após não houvesse adentrado e sentado ao lado de Charles, no mesmo balcão, onde diariamente tomava o seu chopp. Assim como lá fora, a mulher voltou a fitar novamente, estava muda, sem dizer uma só palavra. Por algum tempo fingiu não estar se incomodando com aquele comportamento e continuou a beber e a conversar com Estênio, como sempre fazia, mas passada uma dezena de minutos o jovem começou a ficar irritado, aquela postura da velha não era normal.

— Desculpa, senhora! - exclamou, virando-se para ela e encarando o olhar gélido da mulher. - Posso lhe ajudar em algo? Desde que a senhora sentou aí, está olhando pra mim. Eu lhe conheço?

— Não! - exclamou convicta. - Você não me conhece, mas a minha filha, sim. - falou com firmeza, sem tirar os olhos dele.

— Bem, e quem é ela? - perguntou, bastante perplexo com a abordagem da mulher.

— O nome dela é Abigail, e gosta muito de você. Ela precisa de você - continuou falando como da primeira vez.

— Abigail? Desculpa, senhora, qual mesmo o seu nome? - indagou.

— Meu nome é Zilá.

— Bem, dona Zilá, o meu é Charles, a senhora me desculpa, mas eu não conheço nenhuma Abigail.

— Nunca disse que você a conhecia. - afirmou a mulher. - Minha filha, sim, ela o conhece e gosta muito de você. Você precisa ajudá-la.

— Como assim ajudá-la? - voltou a questionar a mulher com aquela conversa pra lá de estranha.

— Abigail está muito sozinha, está triste. Precisa da companhia de alguém como você, jovem, alegre, bonito, forte, viril!

Tudo aquilo parecia muito surreal, do nada aquela velha macabra abordava Charles para falar da filha. Mas são nessas ocasiões que os hormônios sempre falam mais alto, e a cabeça dele também começou a se encher de fantasias com aquela oferta. Vai que a menina fosse a companhia que tanto procurava, que pudesse acabar com a sua angústia, estava ali uma oportunidade que valia a pena tentar, da mesma forma como conquistou a confiança de Estênio e do seu bar no final das tardes.

— Ok, dona Zilá. - consentiu. - Já que eu nunca vi a sua filha, como posso conhecê-la? Ela tem Face? Whats? Poderia me passar o número do celular dela?

— He he he, não precisa de nada disso meu jovem. - Riu a velha em um tom meio sinistro. - Eu te dou uma foto dela e o endereço e lhe digo a hora do encontro de vocês, pode ser?

— Humm! - pensou o jovem por um tempo, mas acabou consentindo. - Está bem. - Consentiu, lembrando de que o homem ali era ele.

— Então, tome! - remexeu na velha bolsa que trazia ao ombro, e de lá tirou uma foto colorida, bem amassada, esticou a mão e entregou ao jovem.

Como em um passe mágico, a menina impressa na foto era de uma beleza estonteante. Um rosto perfeito, olhos e cabelos claros, lábios e nariz dignos de uma obra de Michelangelo, usava um adorno de flores brancas ao entorno da cabeça e uma veste da mesma cor, translúcida, que deixava a silhueta dos seus seios à mostra, criando a imagem mais linda que até então havia visto nos poucos anos da sua adolescência. Era um sonho, ou melhor, um sorteio da loteria. Por alguns minutos o garoto ficou contemplando a foto e voltou a fitar a mulher já com um sorriso nos lábios.

— Então, meu jovem. O que você achou da minha filhinha? - perguntou a velha.

— É linda! - exclamou. - Ela é muito linda, e posso lhe afirmar com certeza que nunca a vi, eu jamais esqueceria uma garota tão linda assim.

— He, he, he. - mais uma vez a mulher riu. - Você já a viu sim, posso lhe garantir isso, apenas não prestou atenção. Olhe atrás da foto! - exclamou, fazendo um movimento com a cabeça.

— Um endereço? - Tenho que ir até lá?

— Sim, vou esperar você para um chá, pode ser? - Que tal amanhã, no final da tarde?

— Tudo bem. Vou sim! Ela vai estar lá com a senhora?

— Isso mesmo. - Concluiu saindo do bar da mesma forma furtiva como havia entrado.

Naquela noite Charles praticamente não dormiu, seu pensamento em Abigail era constante e fantasioso, pela primeira vez uma garota interessada por ele, linda, e com o consentimento da mãe. Isso era perfeito, as coisas começavam a mudar em sua vida, parecia que tudo começava a fazer sentido e uma vida normal se aproximava, amigos, escola, emprego, um bar e agora uma namorada. Deitado em sua cama e sonhando acordado, no rosto um grande sorriso, olhos brilhantes e marejados.

 

* * *

Os respingos da chuva contra a jaqueta jeans que vestia, aumentavam no instante em que ele se aproximava da casa de Abigail. O local do encontro parecia pouco  habitado. Era uma casa velha, grande, muito maior que a modesta casa onde o garoto vivia. Um lugar não muito conhecido na beira de uma lagoa. O coração saltava e os seus hormônios também. Havia um jardim e no meio do terreno o velho casarão pairava ali por uma centena de anos. Caminhou às pressas na direção da única porta existente, não queria chegar molhado. Na casa, havia sinais de que alguém estava lá. Tudo aquilo era excitante. Sentia no ar o aroma de ervas, provavelmente o prometido chá que a senhora gentilmente convidara.  Uma gota de chuva escorreu pela testa, circundando algumas espinhas que revelavam a tenra idade do garoto, que estava nervoso. Subiu os degraus do apara vento e tocou a campainha. Em pouco tempo a velha senhora surgiu por detrás dos vidros e da cortina de tule branco que adornava a janela da porta. Abriu para o garoto a porta e sorrindo se mostrou ser uma outra mulher. Estava completamente diferente da abordagem do dia anterior. Cabelos presos em um coque e rosto maquiado, vestia um tailleur de sarja de cor creme e blusa de linho com as mangas rendadas nos punhos - e as unhas feitas. Vestia também um impecável sapato scarpin que combinava com todo o conjunto, mostrando-se muito elegante. Sorridente, fez um gesto convidando o rapaz a entrar. Conduziu-o até uma varanda envolta por vidros, de onde uma mesa branca, torneada em ferro fundido, sustentava um aparelho de chá inglês pintado à mão. Pelo bico de uma jarra, era expelido um vapor que reforçava o cheiro de ervas - aquele que o rapaz havia percebido ao chegar. A mesa estava posta para dois, dava o tom de onde o encontro entre os garotos iria acontecer.

— Então, Charles! - exclamou. - Você está pronto para conhecer a minha Abgail? - perguntou olhando nos olhos do garoto.

— Com certeza, Dona Zilá, estou bem curioso. - e perguntou sorrindo. - Abgail está em casa?

— Sim, está. Ela está lá em cima terminando de se arrumar. Enquanto isso, que tal tomarmos um chá? Lembra-se do meu convite?

— Claro, lembro sim. - confirmou o garoto.

Os dois continuaram conversando até terminarem o chá.

O tempo havia passado e Abgail ainda não havia descido. Curioso pelo atraso, voltou a perguntar pela garota.

— Dona Zilá, e a Abgail, ela não iria tomar o chá com a gente?

— Sim, deveria. - afirmou a senhora. - Ela é muito tímida, quem sabe você não vai até lá e convença a descer, ficarei aqui esperando por vocês. Vá! Suba! O quarto dela é o primeiro do corredor à direita, traga nossa Abgail aqui para baixo.

Subindo as escadas com um certo nervosismo, as mãos de Charles começaram a suar dentro dos bolsos do jeans. Ainda que o ambiente estivesse frio, o calor que vinha do corpo do garoto era enorme, um desejo forte de estar naquele lugar o fazia transpirar. Seu corpo estava tão quente quanto o estranho chá que acabara de tomar. No pavimento de cima, partiu em direção da única claridade que irradiava pela soleira de um dos cômodos. De fato, por debaixo de uma das portas, uma luz tênue refletia no velho assoalho do corredor. Um novo aroma invadia o olfato de Charles, era doce e suave como a de um incenso exalando entre as velhas tábuas. Bateu na porta, com um movimento lento ela abriu sozinha, ao toque do garoto, revelando um quarto iluminado por dezenas de pequenas velas justapostas em minúsculos castiçais de vidro, que pareciam pequenos copos de licor. Havia velas por toda a parte, no chão, nos criados mudos, na penteadeira, na mesa de leitura. Elas formavam um ambiente agradável, romântico, e ao mesmo tempo mágico. O garoto ficou encantado com o clima. Ao centro do quarto uma cama antiga, de casal e com dossel refletia a cor branca da roupa de cama tecida em linho, alva como algodão e bem estendida, exalava um perfume suave de tecido lavado e bem passado. Era algo irresistível, Charles tocou nos lençóis e acabou sentando na cama fazendo com que sua mão deslizasse sobre aquele tecido macio e encostando em seguida o seu rosto sobre o travesseiro de Abigail. Percebendo a sua inadequação, ergueu a cabeça desviando os olhos da cama e chamou pela garota, insistiu no chamado e mesmo assim não teve resposta, o quarto estava vazio. Aos poucos foi sentindo-se sonolento e a imagem em seus olhos começou a se desfocar, por alguns instantes parecia estar tonto, não demorou muito e Charles deitou de lado naquela cama, da mesma forma como havia sentado minutos antes.

Os olhos do garoto foram se abrindo e por cima do seu corpo, estendido ao centro da cama de Abigail, lá estava ela, como na foto, linda, perfeita e com um sorriso que jamais vira antes.

— Olá, Charles! - falou a linda moça com uma voz suave e em tom muito baixo.

— Abigail! - exclamou o garoto encantado com a cena angelical e sensual.

— Charles aos poucos foi recobrando os sentidos e percebeu que estava nu, deitado no leito de Abigail, que por sua vez também vestia apenas os seus longos cabelos loiros e contorcia o seu corpo por cima do púbis do jovem. Charles ouviu o assobio longo e lamurioso do vento passando pelas frestas das portas e janelas. Um arrepio gelado correu por sua espinha. Estavam agora ofegantes, os dois respiravam fundo em sucessivas contrações, seus pêlos entrelaçavam-se com a enorme fricção. Eram um só corpo, aos poucos ele possuía Abigail como nunca fizera antes, sentia seu corpo rígido dentro dela querendo mais e com mais desejo a cada investida. A velocidade aumentava, seu coração parecia explodir, Abigail gemia excitada e se contraia em um movimento incontrolável querendo devorar o corpo de seu amante. Aquilo não parecia ter mais fim, os gemidos da moça deram lugar a pequenas risadas, que logo se transformam em gargalhadas, invadindo o momentâneo silêncio do quarto. Charles, ofegante, começou a sentir dor e a demonstrar sinais de resistência. Quanto mais o garoto tentava diminuir o ato e se afastar de Abigail, mais o corpo dela sugava o seu sexo, ia aos poucos devorando o seu corpo, suas energias começavam a diminuir, sua aparência jovem ia se transfigurando, seu fôlego estava no fim, seus movimentos começavam a parar, seu corpo começava a morrer. Abigail, sob gargalhadas, e investindo naquele feroz ataque sexual, sugava rapidamente toda a energia que ainda restava no corpo do garoto.

Passado alguns segundos e as pernas dele não mais se mexiam, seus braços estavam inertes, caídos sem movimentos para ambos os lados da cama. O rosto imóvel do garoto ainda mantinha um imperceptível sorriso, seus olhos estavam abertos, mas não refletiam mais nenhuma luz.

 

* * *

 

— Bom dia! O senhor é o seu Abelar?

— Sim, rapaz, sou eu mesmo.

— Meu nome é Jonas, eu vim pra vaga da manutenção.

— Ah, sim, me falaram que você viria. Bem-vindo, temos muito trabalho por aqui.

— Ótimo, preciso muito do emprego, por onde eu começo.

— Bem, sempre comece limpando aquele jazigo ali. É o da menina Abigail, a filha da dona Zilá. A senhora é muito exigente, mas sempre paga em dia e nos deixa uma bela gorjeta aqui na caixinha.

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